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Cris

Cris: moça morena de beleza indiscutível e de desejos inimagináveis, era como a conheciam. Todos os dias sentava-se naquela praça pra relaxar, pra respirar um pouco por dez ou quinze minutos e chamava a atenção de vários homens, uns mais afoitos que outros. Costumava sair com sua amiga ruiva Aline a bares, restaurantes e confidenciava tudo ou quase tudo a ela. Era daquelas amizades verdadeiras e bonitas que dava gosto de se ver. Cris trabalhava muito, era advogada e não suportava injustiças.
Todos os dias, logo após acordar, lavava e enxugava o rosto, antes de escovar os dentes. Mas isso era só uma mania boba, uma dentre tantas outras que não vale a pena citar. Pelo menos não agora. Estava sempre com seu celular moderníssimo checando seus perfis no facebook e twitter. Há um mês excluiu a conta no orkut, mas já estava pensando em voltar. Vivia de impulsos e repulsas. Era como se suas ações pudessem ser as últimas na vida e ela não queria perder tempo fazendo coisas que não gostasse ou desistindo de fazer o que tinha vontade. Tão certo que uma vez teve febre altíssima, mas não cancelou sua viagem a Fortaleza e deu um jeito de curar sua "bobagem de doença" - como ela mesma disse - já na cidade.
Acreditava em Deus, amava poemas e escrevia alguns às escondidas: outra de suas manias. Não tinha mais parentes desde os 22 anos de idade, quando perdeu sua mãe. Hoje, aos 34 pensava em filhos, mas não queria admitir. Uma vez comprou uma roupinha de bebê rosa, foi pra casa e se trancou em seu quarto. Chorou tanto que resolveu parar logo que começou a sentir pena de si mesma. Cris tinha medo de parecer fraca.
Um dia comum de sexta-feira chamou Aline e saíram juntas para um bar. Era um dia tão comum para as duas que a bala que atingiu o peito de Cris jamais era esperada. Ela não era fraca, ela quis reagir. Aline não conseguia acreditar, telefonou, correu, chorou, gritou, socorreu, ajudou, mas nada fez com que Cris ficasse, ela simplesmente se foi. Aline não tinha forças pra procurar culpados. Foi pra casa de Cris, abraçou o travesseiro dela, sentiu saudade a cada lágrima que caia. E cada uma delas só fazia essa saudade crescer e crescer. Adormeceu.
No outro dia, percebeu uma foto das duas na cabeceira de Cris. Sorriu como se não pudesse, mas sorriu. Sabia que a amiga a estimava demais. Começou a olhar as gavetas e encontrou uma pasta cheia de folhas soltas: eram os poemas de Cris. Riu de um deles, achou muito brega. Continuou lendo e descobriu que eles se completavam e que pareciam intencionar um livro. Pensou que a amiga quisesse publicar, mas não se importou. Guardou aquela pasta e pegou a outra que estava embaixo, com a etiqueta "Ela".
Começou a ler poemas apaixonados, muitos deles inclusive ela achou que eram muito bons. Uns mostravam falta de coragem, outros muito amor e tudo fez sentido, quando ela pegou um dos poemas, que estava inacabado e leu em meio às mais doloridas lágrimas:

"Sua pele parece avermelhada como seu cabelo.
Seu sorriso me faz mais feliz e menos quieta.
Nada que eu possa dizer, definiria o que sinto.

Tenho medo de sua reação, de seu afastamento.
É como se eu fosse me perder a cada instante.
É como se eu não soubesse o que fazer a todo momento.

Tenho dúvida,
as palavras vão, mas voltam com consequências
e não sei se suportaria a negação desse sentimento.

Guardo sua amizade, como prova do nosso amor,
que não é todo o que desejo, mas é todo o que posso ter.

Deixo minhas palavras presas me machucarem pra não de perder.
Só queria saber de tuas palavras e de teus sentimentos.
(continuar)"

Aline não sabia o que fazer, mas pegou esse poema e sabia que era destinado a ela, pois o título era o seu nome. Guardou o papel na bolsa e foi ao momento de despedida. Depois de homenagens de outros amigos, Aline não conseguia falar. Pediu que todos se afastassem e colocou nas mãos de Cris o papel, o poema, aquelas palavras e todo o sentimento. Ficou uns instantes sozinha e leu para a amiga o fim do poema que ela desajeitadamente escreveu.

"Deixo minhas palavras presas me machucarem pra não de perder.
Só queria saber de tuas palavras e de teus sentimentos.

Somos hoje separadas, estamos em prantos e desesperos.
Não sei de palavras como tu,
mas sei de meu sentir
que por ti é, será e sempre foi completo.

Teus medos, sempre foram meus medos
e eles juntos nos impediram de toda uma vida juntas.
Teu amor por mim será meu sempre amor por ti.
Como sempre deveria ter sido.
Com amor, tua ruiva."

As lágrimas vieram e se foram, mas os sentimentos permaneceram entre elas para sempre.

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