Do Telefone

Acordei às cinco horas da manhã. Era hoje. Sabia que ele iria ligar. Aguardei. A ansiedade consumia tudo e me consumia ainda mais que tudo. Às seis horas levantei do sofá e fui tomar banho. Afinal, a qualquer sinal, eu já estaria pronta.
Às seis e quinze eu estava banhada, vestida e de volta ao sofá. Comecei a me maquiar e continuei a esperá-lo. Às sete horas horas o telefone tocou. A princípio não acreditei, mas logo corri para atendê-lo.
- Alô?
- A Dani está?
- Como?
- A Dani. Ela está em casa?
- É... Desculpe, mas você ligou pra o lugar errado.
- Ah, me desculpe você, sinto muito.
- Não... Tudo bem.
- Tchau.
- Tchau.
Desliguei o telefone com uma decepção forte no peito. Mas ele iria ligar. E eu continuei a esperar. Tomei café, almocei e nada.
Não entendia porque ele não queria me ligar. Ele tinha prometido e eu estaria ali, pronta, esperando por ele.

Há dois dias Carla tinha conhecido o Marcelo. Foram à festa de um amigo que tinham em comum, o Jorge. Era aniversário dele e tinha preparado uma festa em sua casa para todos os amigos, todas as pessoas próximas. Marcelo chegou cedo e Carla, como sempre, bastante atrasada. Assim que olhou para Marcelo, sentiu aquelas coisas estranhas que sempre sentiu quando se apaixonava. Detalhe: ela não se apaixonava desde os 18 anos. Teve três namorados: Aos 7 anos, o Gustavo, menino bonitinho que estava uma série na frente dela. Esse namoro durou uma semana. Aos 15 anos, o Rafael, um vizinho de 14 anos que havia acabado de se mudar para a sua rua. Não mais que três meses. Aos 18 anos, Carla se apaixonou por Carlos, um rapaz de 25 anos que era seu novo professor de dança. O namoro durou três anos e Carla sentiu muito quando tudo acabou. Ele iria se mudar da cidade e ela não queria abandonar o lugar onde viveu por tanto tempo. Brigaram. Carla hoje tem 35 anos e sabia que estava apaixonada. Marcelo é um advogado de 45 anos, muito charmoso e interessante. Carla estava apaixonada e parecia a mesma menina que esperava a hora do recreio para ver o Gustavo, que ansiava pela hora em que Rafael fosse passar na sua casa voltando da aula ou, ainda, que esperava impaciente a hora da suas aula de dança para ver o Carlos.
E ela continuava esperando...

Vi o relógio dar as 13, 15, 18 horas e nada de o Marcelo ligar. Nada de o telefone tocar. Nada. Nada.
Exatamente às 19:53min, o telefone tocou mais uma vez. Mas não era o Marcelo.
- Alô?
- Oi.
- A senhora Carla de Souza se encontra?
- Sim, sou eu.
- Olá senhora. Meu nome é Roberta e eu gostaria de estar fazendo uma pesquisa sobre cartões de crédito com a senhora. A senhora estaria tendo algum tempo?
- Não!
- Mas, com essa pesquisa, a senhora estaria...
Desliguei o telefone. Esperei muito tempo até me lembrar do meu celular. Eu não havia dado o número do residencial para o Marcelo. E, quando fui conferir, percebi o tempo que perdi. Havia 34 chamadas não atendidas dele. Depois de tanto esperar, eu já estava cansada. Pelo menos sei que ele também me quer, amanhã ligo e explico o que houve. Agora eu sei que vou ser feliz.

Do Espelho

Todos os dias eu me olhava naquele espelho. Todos os dias eu procurava descobrir um pouco mais de mim. às vezes até conseguia. Eu parecia estar preso àquele objeto e sentia sempre a necessidade de conversar comigo.
Claro que, mais cedo ou mais tarde, me chamariam de louco. E por que não ser? Sou louco pra me conhecer e me entender. É, eu não me entendo. Sonho com todo tipo de coisa e não sei o que querem me dizer. Nada tem explicação para mim. Nem eu. Tantas dúvidas, tantos medos, tantos preconceitos bobos. Tanta preocupação sem necessidade. Tanta falta de preocupação com o que realmente se precisa. Realmente não entendo. E talvez nem deva tentar.
E o espelho onde me guardo vai ao chão. Agora estou partido em milhões de pedaços. Minhas partes não se encaixam mais, eu transbordei. Transbordei e agora sou milhões. Não caibo mais em mim e nem quero.
Prefiro continuar transbordando e tentando me descobrir. E, agora que tenho mais espaço, deve ficar mais fácil.
Meus reflexos.

Sem Forças

Ela nunca se recuperou daquela queda. Não sabia se doía mais o fato de ter sofrido ou o de não querer mais viver. Já fazia um tempo que aquela vida não satisfazia nenhuma de suas necessidades. Mas ela não tinha mais forças pra se levantar. E também não parecia que queria.

Das músicas, as mais tristes. Das flores, as mais murchas. Dos filmes, os mais dramáticos. Dos sonhos, os mais desacreditados. Dos olhos, os mais pesados. Das lágrimas, as mais salgadas. Dos anos, os menos vividos. Dos pensamentos, os mais pessimistas. Das palavras, as mais cortantes. Das companhias, as menos presentes. Dos pecados, os mais esquecidos. Da vida, a mais perdida.

É, acabou-se a vida para ela. E de que lhe adiantava viver, se já vinha sendo morta antes do fim? Passou-se um tempo e, como era de se esperar, ela tentou encontrar um caminho, ela tentou viver. Juntou todos os retalhos de força que ainda tinha, mas já não eram suficientes. Era tarde pra lutar, muito tarde.

Postagens mais recentes Postagens mais antigas Página inicial